144 mil – Literal ou Figurativo?

8 de maio de 2016

Um conceito fundamental na doutrina das Testemunhas de Jeová é o de que somente 144 mil pessoas vão para o céu, onde governarão como reis. Esse número é baseado numa má interpretação de Apocalipse, capítulos 7 e 14, e também pode-se notar que a doutrina é errada quando se observa as estatísticas sobre a quantidade de pessoas que tomam dos emblemas a cada ano, desde a época de Jesus até hoje.

A maioria das Testemunhas de Jeová não são consideradas como fazendo parte dos 144 mil, e não esperam ir para o céu. Em vez disso, essa grande maioria acredita fazer parte da Grande Multidão que jamais morrerá, e vai viver para sempre na Terra.

Antes de 1935, dizia-se que todos os “Cristãos verdadeiros” eram ungidos e tinham a chamada celestial. Portanto, todos os membros da Sociedade Torre de Vigia antes de 1935 eram, automaticamente, parte da classe celestial. Quem se converteu depois de 1935 foi classificado, geralmente, como parte do grupo que tem esperança terrestre. A parte mais absurda dessa doutrina é que, segundo ela, Deus só conseguiu achar 144 mil cristãos verdadeiros num período de 2000 anos, mas conseguiu achar mais de 6 milhões de Testemunhas Cristãs verdadeiras de 1935 até hoje.

Apocalipse 7 define que os 144 mil são uma classe de “reis e sacerdotes”, então não há problema algum em afirmar que eles são um grupo menor que a Grande Multidão. No entanto, há alguns aspectos dessa doutrina que merecem consideração e serão discutidos neste artigo:

  • Será que o número 144 mil é literal?
  • Será que os ‘Cristãos verdadeiros’ entre o tempo de Jesus e 1935 só totalizaram 144 mil pessoas?
  • Será que o memorial mostra respeito por Jesus?

Número Literal

O número 144 mil é mencionado apenas 2 vezes na Bíblia:

(Apocalipse 7:3, 4) “Não façam dano à terra, nem ao mar, nem às árvores, até termos selado na testa os escravos do nosso Deus.”
Então ouvi o número dos selados: 144.000, selados de toda tribo dos filhos de Israel.

(Apocalipse 14:1,4, 5) Então vi o Cordeiro em pé no monte Sião, e com ele 144.000, que têm o nome dele e o nome do seu Pai escritos na testa. Esses são os que não se contaminaram com mulheres; de fato, são virgens. Esses são os que estão seguindo o Cordeiro para onde quer que ele vá. Foram comprados dentre a humanidade como primícias para Deus e para o Cordeiro, e não se achou engano na sua boca; eles não têm defeito.

A organização das Testemunhas de Jeová afirma que, nesses textos, o número 144 mil é literal, mas todos os outros atributos deles são figurativos, ou seja, eles…

  • não são literalmente das tribos de Israel
  • não têm o nome do Cordeiro e do Pai nas suas testas
  • não são virgens
  • suas bocas podem proferir enganos
  • têm defeito.

Num trecho tão figurativo, não há razão forte para acreditar que o número 144 mil seja literal.

Uma análise detalhada de Apocalipse também mostra que esse grupo não foi ajuntado ao longo de 2000 anos, mas sim que o grupo inteiro vive na terra no tempo da grande tribulação. Apocalipse 7:1-4 diz que os ventos foram segurados fortemente, não para selar apenas um restante, mas para selar 144 mil filhos de Israel.

Só 144 mil em 2000 anos?

A doutrina das Testemunhas de Jeová diz que, até 1935, todos os “cristãos verdadeiros” eram parte da classe celestial, o que significaria que, ao longo de um período da história que durou 1902 anos (do ano 33 a.D. até 1935 a.D.), somente 144 mil pessoas adoraram a Deus de modo aceitável.

*** Proclamadores, jv cap. 4 p. 35 ***
Como irmãos de Cristo, ungidos pelo espírito, todos os primitivos cristãos tinham a perspectiva de ser sacerdotes celestiais com Cristo.

*** Venha o Teu Reino, kc cap. 10 p. 88 pars. 3-4 ***
E os cristãos, lá no primeiro século, precisavam dela. Por que motivo especial? 4 Eles tinham uma fé pura e simples. Naquele tempo, todos eles eram cristãos ungidos com o espírito, que aguardavam a ressurreição futura “no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo”.

*** Unidos, uw cap. 14 p. 111 par. 5 ***
Durante uns 19 séculos depois disso havia apenas uma chamada, a celestial. Era uma benignidade imerecida que Deus concedia a um número limitado na promoção de seus próprios propósitos sábios e amorosos.

*** Verdadeira Paz e Segurança, tp cap. 6 p. 65 par. 22 ***
A escolha destes futuros co-governantes da humanidade levaria tempo. Por quê? Por um lado, essa oportunidade tinha de ser oferecida a pessoas de todas as nações. E, embora muitos professassem aceitá-la, poucos provaram realmente que eram seguidores fiéis do Filho de Deus. (Mateus 22:14) Era necessário satisfazer normas elevadas.

*** A Sentinela, w96 15/8 p. 31 ***
Entendemos que essa chamada celestial continuou no decorrer dos séculos, embora durante a chamada Era do Obscurantismo possa ter havido épocas em que o número dos ungidos foi muito pequeno. Com o restabelecimento do verdadeiro cristianismo, perto do fim do século passado, mais foram chamados e escolhidos. Mas parece que, em meados da década de 1930, o pleno número dos 144.000 basicamente já estava completo. Começou então a surgir um grupo de cristãos leais com esperança terrestre. Jesus chamou a tais de “outras ovelhas”, unidos na adoração com os ungidos como um só rebanho aprovado.

Então, quantos cristãos verdadeiros receberam a chamada celestial no período de 1835 anos entre 100 a.D. e 1935 a.D.? A Sentinela fornece números que podem ser usados para responder a essas perguntas.

A Sentinela nos faz acreditar que, no primeiro século, enquanto alguns apóstolos ainda estavam vivos, havia dezenas de milhares de cristãos dignos de receber a chamada celestial. Diz-se que 40 mil foram martirizados só no ano 95 a.D:

*** A Sentinela, 1 de Setembro de 1951, p.516, em inglês (tradução minha) ***
Breve pausa seguiu à morte de Nero, mas nos últimos anos do primeiro século, explodiu a segunda grande perseguição, sob o imperador Domiciano. Diz-se que, só no ano 95, cerca de 40.000 sofreram o martírio. … Além disso, foi neste período que João, o último apóstolo vivo, foi exilado na ilha de Patmos, onde escreveu o livro bíblico inspirado de Apocalipse por volta do ano 96 a.C.

Novamente, de 1878 a 1935, dezenas de milhares conseguiram atender aos altos padrões que eram exigidos para se receber a chamada celestial. Sabe-se que mais de 52 mil Testemunhas de Jeová afirmaram ter a chamada celestial por tomar dos emblemas em 1935:

*** Proclamadores, jv cap. 33 p. 717 ***

Ano Assist. Part.
1935 63.146 52.465

Sendo bem conservadores, podemos estimar, com base nos números acima, que ao final do primeiro século havia pelo menos 65 mil cristãos, e em 1935 havia 52 mil ungidos das Testemunhas de Jeová. Daí, podemos fazer o seguinte cálculo:

144 mil – 65 mil – 52 mil = 27 mil

Ou seja, apenas 27 mil cristãos verdadeiros receberam a chamada celestial durante um período que durou 1835 anos (entre o ano 100 a.D. e o ano de 1935).

Isso significaria que, durante todo esse tempo, Deus só conseguiu encontrar míseros 15 novos cristãos verdadeiros a cada ano que se passava, no mundo inteiro!

Nós dissemos que seríamos conservadores em nossos cálculos, e realmente fomos. Na verdade, temos de incluir na conta um número muito maior do que as 52 mil Testemunhas de Jeová que tomaram dos emblemas em 1935, porque muitas já haviam morrido antes de 1935, e dezenas de milhares continuaram tomando dos emblemas depois disso (hoje em dia mais de 10 mil ainda tomam dos emblemas).

Também podemos dizer que fomos conservadores porque a história mostra que, provavelmente, houve mais do que 65 mil cristãos no primeiro século. No fim do segundo século, estima-se que havia 3 milhões de cristãos, dos quais, mais de 1 milhão sofreu martírio.

*** A Sentinela, 15 de Abril de 1963, p.249, em inglês (tradução minha) ***
Calcula-se que, ao final do segundo século, 60 mil cópias da maior parte das Escrituras Gregas Cristãs poderiam estar em circulação, mesmo que apenas 1 de cada 50 que professavam o Cristianismo possuísse uma cópia.

*** A Sentinela, 1 de Setembro de 1951, p.518 ***
Diocleciano assumiu a coroa em 284 a.D. Inicialmente, ele parecia amigável aos Cristãos, mas no ano de 303, ele cedeu à pressão e iniciou a décima perseguição, provavelmente a mais feroz de todas. Sufocamentos com fumaça, administração oral forçada de chumbo derretido, fogueiras e afogamentos em massa, irrompendo sobre homens e mulheres, marcaram o império com sangue. Num único mês, 17 mil foram assassinados. Só na província do Egito, 144 mil desses Cristãos professos morreram violentamente durante tal perseguição, além de outros 700 mil que morreram devido ao cansaço inerente ao banimento, ou sob trabalhos forçados públicos.

Estes homens, mulheres e crianças ofereceram suas vidas por Deus e não tem lógica dizer que esses mártires cristãos da antiguidade não eram dignos de ser considerados verdadeiros cristãos, ou de receberem a chamada celestial. É um grande desrespeito dizer que não são merecedores, e que são apóstatas, simplesmente porque eles não se encaixam na teoria das Testemunhas de Jeová, de que somente 144 mil vão para o céu.

Interpretação por Eisegese

A expressão “pequeno rebanho de 144 mil” não se encontra na Bíblia.

Como é discutido na seção sobre o paraíso, a Bíblia coerentemente mostra que a esperança de ressurreição é celestial, para todos os cristãos. Num esforço de tentar fazer o número dos que vão para o céu parecer pequeno, a organização das Testemunhas de Jeová refere-se a uma classe celestial como “pequeno rebanho de 144.000”.

*** w06 15/2 p. 19 par. 12 Uma administração para cumprir o propósito de Deus ***
Um dos aspectos desse segredo sagrado era a escolha, por parte de Jeová, de um “pequeno rebanho” de 144.000 humanos para serem associados de seu Filho como parte do descendente e reinarem com ele no céu.

Esses termos não aparecem juntos na Bíblia, e não há razão para acreditar que referem-se ao mesmo grupo. Mesmo assim, as publicações da Torre de Vigia colocam o “pequeno rebanho” e os “144.000” num mesmo grupo, e fez isso mais de 300 vezes nas últimas 5 décadas.

Os 144.000 (cento e quarenta e quatro mil) são mencionados apenas 2 vezes na Bíblia, em Apocalipse capítulos 7 e 14, e o termo “pequeno rebranho” aparece apenas uma vez:

(Lucas 12:32) “Não tema, pequeno rebanho, porque o seu Pai se agradou de dar o Reino a vocês.

As Testemunhas de Jeová só agrupam esses termos e afirmam que o céu será limitado a um pequeno rebanho por causa de uma forma de interpretação doutrinal chamada eisegese, que não é ideal. O contexto de Apocalipse e dos Evangelhos não fazem essa conexão arbitrária entre as duas expressões. Como foi mostrado no artigo Grande Multidão, a interpretação correta é que as outras ovelhas (gentios) tornam-se parte do pequeno rebanho (Judeus), e a grande multidão é um grupo celestial, totalmente diferente.

Celebração do Memorial

Uma das consequências dessa doutrina é que a maioria das Testemunhas de Jeová não comem e bebem do pão e do vinho no memorial da morte de Cristo. Somente o restante dos 144 mil podem comer e beber:

*** w06 15/2 p. 24 par. 13 O ajuntamento das coisas no céu e das coisas na Terra ***
Visto que tomar do pão e do vinho na Comemoração envolve tudo isso, obviamente seria impróprio que aqueles que têm esperança de vida eterna na Terra tomassem desses emblemas. Os que têm esperança terrestre discernem que não são membros ungidos do corpo de Cristo e que não estão no novo pacto que Jeová fez com os que governarão com Jesus Cristo. Visto que “o copo” representa o novo pacto, apenas quem está no novo pacto toma dos emblemas. Os que esperam ganhar a vida eterna em perfeição humana na Terra, sob o governo do Reino, não são batizados na morte de Jesus nem chamados para governar com ele no céu. Tomarem dos emblemas implicaria em algo que não é verdade no caso deles. Assim, eles não tomam, embora certamente assistam à Comemoração como observadores respeitosos.

Isso é uma violação direta das palavras de Jesus, pois tomar dos emblemas é uma ordem e significa que nós o aceitamos e ganhamos vida eterna:

(João 6:53-57) Assim, Jesus lhes disse: “Digo-lhes com toda a certeza: A menos que comam a carne do Filho do Homem e bebam o seu sangue, vocês não têm vida em si mesmos. Quem se alimenta da minha carne e bebe o meu sangue tem vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia, pois a minha carne é verdadeiro alimento, e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem se alimenta da minha carne e bebe o meu sangue permanece em união comigo, e eu em união com ele. Assim como o Pai, que vive, me enviou e eu vivo por causa do Pai, assim também aquele que se alimenta de mim viverá por causa de mim.

(1 Cor 11:25-26) Persistam em fazer isso, sempre que o beberem, em memória de mim.” Pois, sempre que vocês comerem esse pão e beberem esse cálice, estarão proclamando a morte do Senhor, até que ele venha.

Quando encerrou a chamada celestial?

Russell havia dito que todos os 144 mil haviam sido escolhidos até 1881, e apresentou várias razões bíblicas para fundamentar sua tese:

*** Venha o Teu Reino (1891), p. 362, em inglês (tradução minha) ***
Lembrem-se, também, de que as Escrituras nos provaram, de várias formas – os Ciclos de Jubileu, os 1335 dias de Daniel, a Dispensação Paralela, etc – que a “colheita”, ou fim desta era, devia começar em Outubro de 1874, e que o ‘Grande Ceifeiro’ deveria estar presente; que sete anos depois – em Outubro de 1881 – a “chamada de cima” encerrou, embora alguns ainda serão admitidos para a mesma benevolência depois, sem que uma chamada geral seja feita, para substituir os lugares de alguns dos chamados que, após serem testados, serão achados indignos.

*** Está Próximo o Tempo (edição de 1916),  p.235, em inglês, tradução minha ***
E os três anos e meio após a primavera de 1878 a.D., que terminaram em Outubro de 1881 a.D., correspondem aos três anos e meio de favor contínuo aos Judeus individuais na última metade da 70ª semana de favor. Como no tipo, aquela data – três anos e meio depois da morte de Cristo – marcou o fim de todo favor especial ao Judeu e o início do favor aos Gentios. Portanto, reconhecemos 1881 a.D como a marca do encerramento do favor especial aos Gentios – o encerramento da “chamada de cima”, ou convite para as bênçãos peculiares a esta era – para tornarem-se co-herdeiros com Cristo e participantes da natureza divina.

Rutherford reciclou essa ideia e, sem nenhuma base bíblica, mudou a selagem dos 144 mil de 1881 para 1931:

*** Seja Deus Verdadeiro (1946), p.298, em inglês, tradução minha ***
Deus, tento um tempo marcado para cada propósito (Eclesiastes 3:1), seu tempo para dar às criaturas na terra a oportunidade de aguardar uma recompensa celestial tem sido do ano 29 a.D até, principalmente, 1931, chamado de “dia de salvação”.

***As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino (1959), p.139, em inglês (tradução minha) ***
Embora Jeová tenha vindo ao seu templo em 1918 e tenha começado o julgamento desta classe ungida, ainda outros devem ser ajuntados, porque alguns foram achados indignos e devem ser substituídos. As evidências mostram que isso continuou até, principalmente, 1931, quando começou um trabalho de ajuntamento daqueles reconhecidos como “outras ovelhas” do Senhor Jesus Cristo.

Esse ano foi alterado, posteriormente, para 1935:

*** A Sentinela, w07 1/5 p. 30 ***
Assim, especialmente depois de 1966, acreditava-se que a chamada celestial havia terminado em 1935.

*** Clímax de Revelação, re cap. 20 p. 125 par. 18 ***
Serem em 1935 identificados como a grande multidão de outras ovelhas era indício de que a escolha dos 144.000 estava quase completa.

Em anos recentes, quem escolhia participar dos emblemas foram criticados como se tivessem problemas emocionais:

*** A Sentinela, w96 15/8 p. 31 ***
No decorrer dos anos, alguns, mesmo recém-batizados, de repente começaram a tomar dos emblemas. Em alguns casos, depois de um tempo, admitiram que foi um erro. Alguns reconheceram que tinham tomado dos emblemas numa reação emocional, talvez devido a uma tensão física ou mental. Mas passaram a entender que realmente não foram chamados para a vida celestial. Pediram que Deus compreendesse isso e que fosse misericordioso com eles.

Esses comentários fazem lembrar as palavras de Jesus em Mateus 23:13:

(Mateus 23:13) “Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas! Porque fecham o Reino dos céus diante dos homens; pois vocês mesmos não entram, nem deixam entrar os que estão a caminho para entrar.

Em 2007, essa doutrina foi mais uma vez alterada, com a admissão de que a Bíblia não fornece uma data para o encerramento da chamada celestial:

*** A Sentinela, w07 1/5 p. 31 ***
Por outro lado, com o passar dos anos, alguns cristãos que se batizaram depois de 1935 receberam do espírito santo o testemunho de que têm a esperança celestial. (Romanos 8:16, 17) Sendo assim, parece que não podemos especificar uma data para o fim da chamada de cristãos para a esperança celestial.

participantes-memorial-desde-2005

Visto que o número de participantes dos emblemas está aumentando, é uma questão de tempo até que as Testemunhas de Jeová se vejam obrigadas a re-examinar esta doutrina mais uma vez, provavelmente admitindo, finalmente, que o número 144 mil não é literal.